Deputados assumem compromisso com agricultura livre de agrotóxicos

“O desafio é maior do que a gente imaginava”. A
constatação do deputado padre João (PT-MG), ao ser apresentado ao
quadro atual do mercado de agrotóxicos – dominado hoje por apenas 13
empresas responsáveis pela movimentação de cerca de US$ 48 bilhões ao
ano no mundo e US$7,1 bilhões no Brasil – indica que as causas e
efeitos da produção e consumo dos venenos agrícolas têm dimensões ainda
desconhecidas pela maioria da população.

Em
ausculta técnica realizada na Câmara dos Deputados nesta terça-feira
(12), a gerente de Normatização e Reavaliação da Anvisa e responsável
pelas reavaliações toxicológicas dos agrotóxicos, Letícia Silva, e
Vinicius Freitas, representante do Fórum Nacional de Combate aos
Impactos dos Agrotóxicos e dirigente do SINPAF, expuseram aos
parlamentares da subcomissão especial sobre o uso de agrotóxicos
aspectos da produção e comercialização dessas substâncias no Brasil e
no mundo.

Pressão – A
especialista da Anvisa apresentou um balanço da indústria brasileira de
agrotóxicos no último período. Em 2009, o país contava com 2.195 marcas
de agrotóxicos registradas, relacionadas a 434 tipos de agrotóxicos.
Naquele ano, foram vendidas 789.974 toneladas de defensivos. Entre 2000
e 2009, o crescimento das vendas no Brasil foi o maior em todo o mundo,
atingindo valores superiores a 100% a partir de 2007 – quando o Brasil
assumiu o posto de maior consumidor de agrotóxicos do globo. As
importações tiveram aumento de 391,68% no período. Os agrotóxicos –
muitos deles banidos em outros países – vêm principalmente dos EUA,
Alemanha e China.

Segundo Letícia, essa situação
se relaciona à dificuldade de atuação dos órgãos fiscalizadores e
avaliadores, que têm seu trabalho reiteradamente obstruído pela pressão
que as empresas fabricantes exercem sobre as diferentes esferas do
poder público. “Recebo e-mails com acusações de que as avaliações são
ideológicas, mas todas foram realizadas pela Fiocruz, por doutores. Há
vários pedidos por parte de parlamentares para a retirada da
competência de avaliação da Anvisa”, relata.

As
tentativas de impedir o prosseguimento das avaliações também acontecem
no campo jurídico. “A Anvisa conseguiu concluir a reavaliação de seis
substâncias com cinco ações judiciais. Infelizmente, o Judiciário é
despreparado e desconhecedor desse tema”.

Limites – Um
quadro comparativo entre o organograma da divisão de agrotóxicos da
Agência de Proteção ambiental dos EUA, que conta com 854 técnicos, e o
da Anvisa, que abarca apenas 23 técnicos e 4 gestores revela os limites
de atuação do órgão. “Somando Ibama, MAPA e Anvisa, são menos de 80
técnicos. São as mesmas equipes que fazem a fiscalização das fábricas e
coordenam o programa de análise de monitoramento de resíduos de
agrotóxicos em alimentos, além de várias outras atividades. Isso
demonstra a extrema fragilidade das instituições brasileiras para fazer
esse controle”, conclui.

A diferença entre as
taxas cobradas para pleitos de registro de novos ingredientes ativos
também pesa. “Nos EUA, as taxas são muito maiores que as do Brasil”,
conta.

“Essa comissão pode nos trazer muitas
luzes, e nosso desejo é buscar fortalecimento das estruturas adequadas
para que se possa cumprir com o papel estabelecido pela Constituição”,
concluiu Letícia, destacando a necessidade de priorização da análise de
pleitos que cumpram com determinados requisitos de interesse para a
agricultura nacional, associada ao estabelecimento de mecanismos
públicos de controle.

O representante do Fórum
Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, Vinícius Freitas – que
também é dirigente do SINPAF – apresentou a estrutura e funcionamento
do grupo de trabalho, do qual participam organizações governamentais e
não-governamentais, sindicatos, universidades e o Ministério Público.

Para
ele, entre os aspectos mais preocupantes relativos aos agrotóxicos
estão a manutenção, no Brasil, do uso de substâncias proibidas em
vários países, o impacto da expansão dos transgênicos sobre o uso de
agrotóxicos – no Brasil, 80% das liberações de transgênicos estão
associadas ao uso de herbicidas – e a velocidade crescente na liberação
dos Organismos Geneticamente Modificados. “Estas questões exigem ação
imediata”, avalia.

Na avaliação de Vinícius, não
existe consumo seguro de agrotóxicos em um universo que abrange 5,2
milhões de estabelecimentos agropecuários, ou 36,75% do território
nacional.

Para ele, a agroecologia se configura
como alternativa viável de segurança alimentar e justiça ambiental em
oposição ao modelo que utiliza agrotóxicos. “A gente sabe que quem
produz alimentos é a agricultura familiar, cuja potencialidade é
produzir num país diverso em espécies, animais e plantas, como o nosso.
Precisamos promover a vida, as relações sociais no campo, fortalecer
circuitos curtos de comercialização como solução para a fome –
inclusive para a fome no campo”. O dirigente acredita ser preciso
investir, por exemplo, na reformulação dos cursos de agronomia e no
resgate da assistência técnica pública. Assim como foi desenvolvido,
por parte do Estado, um modelo baseado na dependência de pacotes
tecnológicos, por que não mudar o aporte para a agroecologia?”,
questiona.

Como propostas do Fórum para o
Parlamento, estão a revisão e melhoria das leis no que tange à
propaganda e publicidade de agrotóxicos, pulverização aérea, incentivos
fiscais e transição agroecológica.

Apoio do Parlamento – Os
deputados presentes ao debate se mostraram surpresos com as informações
apresentadas. “Sabemos que o agronegócio muitas vezes se coloca como
vítima, quando na verdade quer manter esse cenário que vocês expuseram
para continuar lucrando em prejuízo da saúde humana. Essa comissão vai
ter de rever estruturas de alguns órgãos, como a Anvisa”, defendeu o
deputado Amauri Teixeira (PT-BA).

Para Nazareno
Fonteles (PT-PI), os dados “precisam ser mais socializados e
atualizados para aqueles que se interessam pela causa, quer pela
questão da saúde, ambiental ou defesa da agricultura alimentar. Sabemos
da resistência da oposição desta casa sempre que se quer fortalecer o
Estado, mas vemos que na área da saúde não pega, porque a população
sabe da importância”.

Na avaliação de Padre
João, proponente da ausculta, o atrelamento do capital com outros
poderes fragiliza a fiscalização. “Há muitos esforço para desmoralizar
serviços técnicos. Agora temos desafios e não podemos recuar”.

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