O governo precisa dar à crise o seu nome

A mídia tanto insiste em confundir que às vezes até setores progressistas parecem acreditar.

Mas
é preciso ficar claro: o nome da crise é capitalismo e não esquerda;
não PT – ou governo Dilma, como quer o jogral embarcado nas virtudes dos
livres mercados, os mesmos que jogaram o planeta no pântano atual.

A esquerda tem sua penitência a pagar nesse banco de areia movediça. Mas uma coisa é diferente da outra.

O conservadorismo não tem agenda propositiva a oferecer, exceto regressão à matriz do desmazelo atual.

A
esquerda ainda lambe feridas, espana a rendição neoliberal que acometeu
– ainda acomete – segmentos e lideranças importantes de suas fileiras,
aqui e alhures.

Mal ou bem, no entanto, ensaia um debate sobre a alternativa à desordem capitalista.

Deve acelerar o passo porque a história apertou o seu: a restauração conservadora avança no vácuo progressista.

A
preparação do V Congresso do PT, que acontecerá em 2014, é a
oportunidade para que isso ocorra no Brasil de forma organizada. Com
convidados de dentro e de fora do partido. De dentro e de fora do país. E
cobertura maciça da mídia alternativa, a contrastar o bombardeio de
veículos sempre alinhados às boas causas democráticas.

O conservadorismo aposta no imobilismo progressista.

Seu
futuro nutre-se da expectativa de erros, omissões e hesitações que a
esquerda e o governo possam cometer na travessia do passo seguinte da
história.

É esse o combustível da histeria udenista encampada pelas togas.

Não é outro o motor do terrorismo econômico midiático.

A pauta deste ano ano pré-eleitoral é a tese de que vai dar tudo errado na macroeconomia do governo Dilma.

O tambor ecoa sem parar.

O
Brasil é um fracasso. Bom é o México, com presidentes saídos
diretamente de uma engarrafadora de Coca-Cola, a prometer mais e mais
reformas amigáveis.

A mídia isenta ergue palanques feitos de semi-informação.

Na
desastrada década do PT, o Brasil elevou sua participação no PIB da
América Latina de 26,8% , em 2001, para 46,6% em 2010. Recorde em 20
anos.

A participação mexicana no PIB regional regrediu o equivalente a 13 pontos no período.Ficou em 21,5% no ano passado.

Governos
coca-cola aniquilaram direitos trabalhistas dos mexicanos, enquanto no
Brasil de Lula o valor real do salário mínimo saltou 70% na década.

Bom é o México.O malabarismo às vezes desconcerta.

Nesta
5ª feira, na Folha, Clóvis Rossi lamenta: justamente quando Chávez
está à beira da morte, seu legado econômico e social faz da Venezuela o
país menos desigual de sua história.

Assim: ” Para azar da
Venezuela, o agravamento do estado de saúde do presidente coincide com o
melhor momento da economia em todo o reinado de Chávez: a redução da
pobreza, marca indiscutível do período, se acentuou no ano passado. São
pobres, agora, 21,2%, queda de cinco pontos sobre os 26,5% de 2011; a
inflação, um dos fracassos do chavismo, caiu de 27,6% em 2011 para
19,9%; o rendimento real dos assalariados, já descontada a obscena
inflação, subiu 3,1% no ano passado; 4 milhões de empregos foram criados
nos anos Chávez, reduzindo o desemprego a 6% em 2012″.

É constrangedor.

No Brasil, o governo do PT — sua ‘ingerência estatal, a gastança populista’– recebe o mesmo carimbo de estorvo.

Ele,
não a desordem neoliberal; o PT, não o legado de um capitalismo
indigente. Não o miserê estrutural que precisou do Bolsa Família para
levar comida a 50 milhões de pessoas.

Quando o governo acerta, o veredito midiático é peremptório: é só um hiato entre dois fracassos.

Segue-se a lógica adversativa do meteorologista charlatão: o tempo está firme, mas só porque ainda não choveu. E vice-versa.

O
Brasil precisa decidir se quer ser o México ou a Venezuela, diz o
bordão do jornalismo de economia, que está para as redações assim como a
coleira para o cachorro.

Tradicionalmente ele pauta os latidos da turma que tange o debate nacional no dispasão da eficiência plutocrática.

A
mesma endogamia levou o país tres vezes ao FMI nos anos 90; quebrou a
espinha da indústria com uma abertura selvagem; rifou o contrapeso
estatal vendendo empresas públicas estratégicas; criou um Estado mínimo a
machadada, poupando a raspa do tacho disfuncional. Colosso devidamente
elogiado e festejado pelos que hoje festejam o México e abjuram a
macroeconomia de Dilma.

O governo tem muito a ganhar se as forças progressistas afrontarem os uivos dessa matilha.

Acerta
a presidencia do PT, por exemplo, quando Rui Falcão identifica no
monopólio midiático um torniquete a obstruir o debate emancipador do
desenvolvimento.

Erram os progressistas e o governo ao não nominarem as variáveis políticas em jogo na disputa pela agenda macroeconômica.

A cizania ideológica tem sido respondida por Brasília de forma frequentemente tecnocrática, gaguejante, quase envergonhada.

Atrasos
enervantes nos cronogramas dos grandes projetos de infraestrutura
constituem o principal lubrificante da sirene ortodoxa.

Por que o governo não encampa e aprofunda a radiografia sobre as causas da ‘ineficiência estatal’?

Nos anos 90, o Estado brasileiro foi redesenhado e calcificado institucionalmente. Um anti-Leviatã feito não funcionar.

Dissolveu-se a iniciativa pública do desenvolvimento num cipoal de interditos, terceirizações, decepações e renúncias.

Tudo
feito para contemplar o preconceito conservador desconsiderando-se as
urgências sociais e as responsabilidades com a infraestrutura.

A mídia conservadora quer manter as coisas assim, como um argumento pronto contra o comando estatal da economia.

A
presidenta Dilma incorporou a chave da eficiência às prioridades do
seu governo. Com razão: é obrigação progressista zelar pela cuidadosa
aplicação dos fundos públicos.

Errou e erra, todavia, ao não
afrontar o subtexto do Estado mínimo que de fato perpassa a gororoba
ideológica construída em torno da lingérie mais reluzente do
conservadorismo: o fetiche da ‘gestão’.

Ao não distinguir uma
coisa de outra, corre o risco de endossar a tese que pretende
equacionar a desordem atual com poções adicionais do veneno que a
originou.

O colapso neoliberal trouxe para o colo do governo
uma crise da qual a Nação é vítima e não sócia; as forças progressistas
são adversárias, não parceiras.

Confunde a opinião pública
endossar falsas convergências redentoras, a exemplo da gestão, quando o
que emperra, de fato, é a luta de sabre para ordenar a fatura da crise e
instaurar a nova dinâmica de crescimento.

Obama patina não
porque inexistam alternativas. Mas porque o dinheiro grosso acantonado
no Congresso barra a taxação substantiva das grandes fortunas. E
compensa a mingua fiscal com arrocho no gasto público -exceto o complexo
industrial-militar.

A Europa esfarela porque os bancos se entupiram de lucros no ciclo de alta do crédito irresponsável.

Quebraram.
Agora são alimentados pela sonda pública, exaurindo a ação
contracíclica do Estado e a engrenagem lubrificada pelo crédito e o
financiamento.

Dar nome aos bois não é principismo ideológico dos ‘esquerdistas’ do PT.

Está em jogo dilatar ou não a margem de manobra do Estado brasileiro para contrastar a estagnação mundial do capitalismo.

O peso material das idéias não deve ser confundido com proselitismo.

Quando
minimiza a importancia da mídia progressista, asfixia blogs e sites
negando-lhes o direito legítimo à publicidade estatal de utilidade
pública –descarregada maciçamente no dispositivo conservador– o
governo dá mostras de não entender essa diferença.

Para um governo progressista é quase um suicídio.

Não
por acaso, os que apostam no fracasso macroeconômico como palanque
contra Dilma, em 2014, querem fazer da ‘gestão’ o escudo redentor do
Brasil contra a crise.

Desenvolvimento é transformação; é coordenar recursos,expectativas e energias em direção a objetivos prioritários.

A
crise da ordem neoliberal desmentiu a conversa mole da proficiencia dos
mercados desregulados na alocação dos recursos, ao menor custo e com a
máxima eficiência.

Saldo: o mundo caminha para o sexto ano da crise mais grave do capitalismo desde 1929. O investimento privado patina no Brasil.

A
superação do impasse só virá se e quando o Estado detiver maior poder
de comando para enquadrar e destravar o papel indutor do crédito e do
investimento capitalista.

Os bancos detém essa prerrogativa na
economia de mercado. Mas sonegam fogo na hora do aperto e desviam seus
canhões contra quem tenta induzi-los.

Não se vence um embate dessa natureza com o acesso à opinião pública obstruído pelo monopólio midiático.

Essa reflexão, suas consequências práticas, continua ausente da agenda da Presidência da República a cada manhã.

É um contra-senso.

Se
o próprio governo hesita em ocupar o horizonte de longo prazo, que a
mídia alardeia como temerário, por que o investimento privado se
arriscaria?

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