
Por Beatriz Albuquerque
“Minha filha é negra e vai trabalhar no banco!”. Foi com grande entusiasmo que Dona Edite Silva anunciou para todos os moradores da Favela do Joaneiro, na Zona Norte do Recife, a grande vitória da família em 1989. Neste ano, a mais velha entre as três filhas, Eleonora Costa, acabara de ser aprovada no concurso do Bandepe – Banco de Pernambuco, tornando-se bancária.
A conquista de Eleonora representava uma mudança de vida, que foi celebrada com orgulho por toda comunidade. Como muitas mulheres negras no país, Dona Edite não teve a oportunidade de se alfabetizar, morava num barraco alugado, trabalhava como lavadeira para levar o sustento para casa e criou as filhas sem a presença paterna.
“Entrei na escola pública aos sete anos, não sei se eu ia para a escola para aprender ou para comer. Eu lembro que me alimentava lá. No ensino médio, tive muitas dificuldades para acompanhar as matérias, mas tive ajuda de um amigo, Pedrinho, para estudar. Ele não se importava com a minha cor. Passamos juntos na UFPE e me formei em economia. Fui a única pessoa negra na minha turma”, lembra Eleonora, ao destacar como foi importante ter a oportunidade de estudar que a sua mãe não teve, assim como de poder contar com o apoio de uma pessoa não-negra aliada.
Nesta época, cinco anos antes de passar no concurso, Eleonora persistiu muito até conseguir a oportunidade de fazer uma seleção num banco privado. Foi aprovada, mas precisou apresentar uma carta de recomendação ao gerente para garantir a vaga. “Consegui entrar no banco privado, mas eles queriam me embranquecer, que eu esticasse meus cabelos e me mandaram para a tesouraria, onde os clientes não podiam me ver. Nesse banco, eu também era a única pessoa negra. Alguns clientes, mesmo clientes negros, não me reconheciam como bancária. Passei por algumas situações, como na hora do atendimento, pedirem para eu servir um café e chamar um bancário que pudesse atender”, relatou Eleonora.
Quando ingressou no Bandepe, por meio de concurso público, encontrou entre os colegas de trabalho outras pessoas negras, mas ainda poucas, considerando que pessoas negras são maioria na população brasileira. “Minha mãe ficou corcunda de tanto carregar água nas latas para lavar roupa. Na minha infância, ela fazia uma trouxa maior para ela e uma menor para mim. A vida foi muito difícil. Vocês não imaginam a alegria dela quando eu passei no concurso público do Bandepe. Ela dizia para todos: ‘minha filha vai trabalhar no banco!’. E tinha gente que dizia para ela: ‘e negro trabalha em banco?’, no que ela logo respondia: “se não tem, minha filha vai ser a primeira’”, relembra com orgulho.
Eleonora Costa, que com sua liderança tornou-se dirigente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco e é a atual coordenadora do Coletivo de Combate ao Racismo da entidade, destaca que enxerga avanços, fruto da organização e luta antirracista, como a construção de políticas públicas para a redução das desigualdades. Mas, considera que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para reparação histórica do povo negro, como revelam os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE – RAIS).
De acordo com levantamento realizado pelo DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, a proporção de negras e negros na categoria bancária passou de 18,9% (2012) para 28,5% (2024). Destes, 23,37% são pardos e 4,78% pretos. Considerando a remuneração média, o sexo e o recorte racial, a remuneração média das mulheres pretas é 37,7% inferior a remuneração média do bancário branco do sexo masculino.
A desigualdade observada na categoria bancária ocorre nas demais categorias, ou seja, no mundo do trabalho de forma geral. Essas relações evidenciam o racismo estrutural ainda presente na nossa sociedade, marcada por três séculos de escravização do povo negro. “Todos precisam estar unidos, pela igualdade de oportunidades e visibilidade para pessoas negras no ramo financeiro e na luta antirracista”, conclui Eleonora Costa.
