Trata-se de empreendimento que prevê a construção de 13 (treze)
torres de até 40 (quarenta) pavimentos no Cais José Estelita, por parte
do Consórcio Novo Recife (formado pela Moura Dubeux, Queiroz Galvão,
G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos).
O Projeto em questão foi objeto de três reuniões no Conselho de
Desenvolvimento Urbano da Cidade do Recife (CDU), realizadas nos dias
30/11/12, 21/12/12 e 28/12/12, tendo sido aprovado na reunião ocorrida
nesta última data, cuja validade está sendo discutida em juízo.
No dia 19 de dezembro de 2012, o Ministério Público ingressou com
Ação Civil Pública em face do Município do Recife, demonstrando, através
de documentos disponíveis a qualquer interessado, que o Projeto Novo
Recife contém diversas ilegalidades, que motivaram os seguintes pedidos:
em caráter liminar, a suspensão de todo e qualquer ato administrativo
referente ao projeto e, no mérito, a declaração de sua nulidade desde o
início.
O juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública, para quem a ação ajuizada pelo
MPPE foi distribuída, em razão do art. 2º da Lei nº. 8.437/92 (“No
mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será
concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da
pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo
de setenta e duas horas”) determinou a intimação do Município antes de
se pronunciar sobre o pedido liminar.
Na citada Ação Civil Pública, o Ministério Público não avalia o
conteúdo arquitetônico do Projeto (se é feio ou bonito, se é alto ou
baixo, elitista ou democrático), mas a existência de vícios formais e
ilegalidades na sua condução, conforme será explanado a seguir.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que, em obediência à Lei
Federal nº 6.766/76 e à Lei Municipal nº. 16.286/97, a área onde se
pretende edificar o empreendimento, de aproximadamente 10ha (dez
hectares) ou 100.000 m2, tem que ser previamente parcelada. E o que é um
parcelamento? É a transformação de uma grande área em “trecho de
cidade”, com garantia de áreas públicas, vias de circulação, áreas
verdes, equipamentos comunitários etc. Dito de outra forma, o
parcelamento é o instrumento através do qual a lei determina que uma
grande área deve se incorporar ao restante da cidade, afastando a idéia
de “gueto” ou “feudo”.
Ocorre que o processo de parcelamento não figura entre aqueles
aprovados no dia 28/12/12. Ele ainda se encontra em tramitação na
Prefeitura, não havendo, pois, sido concluído. E sem a conclusão do
parcelamento, a lei impede o protocolo/entrada de qualquer projeto
imobiliário na Prefeitura. E isso é até fácil de entender do ponto de
vista lógico, pois qualquer mudança no parcelamento do solo vai implicar
alterações na arquitetura do projeto. Logo, no caso do Projeto Novo
Recife, os processos de arquitetura jamais poderiam ter sido aprovados,
como foram, antes da conclusão do parcelamento, que ainda está em curso.
Igualmente ilegal também é que o empreendimento foi aprovado sem
qualquer consulta ao DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e
Transportes). E qual o problema disso? Ora, o DNIT é o proprietário de
área contígua ao empreendimento, onde existe uma linha férrea em plena
atividade, que opera em apoio ao Porto do Recife. Segundo informação
prestada pelo DNIT ao Ministério Público, a implementação do Projeto
Novo Recife, da maneira como está previsto, acarretará risco iminente de
graves acidentes, colocando em risco a vida dos transeuntes e das
pessoas em geral, além dos operadores dos trens, já que estes não
possuem capacidade rápida de frenagem. Detalhe importante: não há
previsão para essa linha férrea parar suas atividades, pois está
arrendada à Transnordestina Logística S.A por 30 (trinta) anos,
prorrogáveis por mais 30 (trinta) e funcionará enquanto o Porto do
Recife estiver em operação.
Demais, parte do empreendimento localiza-se em área de entorno de
monumentos tombados pelo IPHAN. Pela lei, essas áreas de entorno possuem
restrições, justamente para possibilitar a visada dos monumentos
tombados, cujo deleite da paisagem pertence a todos os cidadãos. Daí
porque imprescindível o parecer do IPHAN no projeto. Entretanto, o
Projeto Novo Recife foi aprovado sem tal documento.
Além disso, todo o patrimônio ferroviário do Estado de Pernambuco foi
tombado pela FUNDARPE, o que exigiria também que o projeto passasse por
seu crivo. Existe parecer da FUNDARPE fornecendo parâmetros gerais de
intervenção na área. Porém, em resposta ao Ministério Público, a
FUNDARPE informou que não analisou o Projeto. Assim, não há como saber
se o projeto obedece aos mencionados parâmetros gerais. A aprovação do
Projeto Novo Recife ocorreu sem essa necessária análise a cargo da
FUNDARPE.
Ainda há que se destacar que o Projeto foi aprovado sem a realização
de Estudo de Impacto de Vizinhança, exigência esta prevista no Estatuto
das Cidades (Lei nº. 10.257/2001, art. 188). Só a partir desse estudo é
que poderiam ter sido corretamente dimensionados os impactos do
empreendimento, incluindo os referentes ao trânsito, identificando-se as
correlatas e adequadas medidas de compensação e mitigação.
Da mesma forma, o Projeto foi aprovado sem o necessário Estudo de
Impacto Ambiental, contrariando o disposto no art. 225, § 1º, inciso IV,
art. 16 da Lei Municipal nº. 16.176/96 e arts. 10 e seguintes da Lei
Municipal nº. 16.243/96 (Código do Meio Ambiente e do Equilíbrio
Ecológico da Cidade do Recife).
Só através dos Estudos de Impacto Ambiental e de Vizinhança, é que o
Poder Público e a sociedade teriam condições de conhecer os reais
impactos do empreendimento, impondo o Estatuto das Cidades, nesse caso, a
realização de audiências públicas, a cargo do Poder Executivo, a fim de
possibilitar a participação de todos os interessados na discussão do
projeto.
Por essas razões e outras que não cabem nesta nota, o Projeto Novo
Recife não poderia ter sido válida e legalmente submetido à votação, nem
tampouco ser aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano do
Recife.
Assim, estamos no aguardo do pronunciamento do Poder Judiciário.
Recife, 29 de dezembro de 2012.
Belize Câmara Correia
Promotora de Justiça do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico-Cultural do Recife