Movimento sindical precisa ter estratégia para disputar os rumos do Brasil

Ao contrário da
maioria dos países desenvolvidos, que estão sendo trucidados pela
segunda maior crise na história do capitalismo, o Brasil vive um
momento privilegiado inédito e passa por um grande processo de
transformação, cujo desfecho está em aberto. Esse processo, no
entanto, não vai durar muito tempo, o que torna imperativo que os
movimentos sociais, principalmente os sindicatos, compreendam o que
está acontecendo e desenvolvam uma estratégia para atuar
incisivamente nessa conjuntura favorável e disputar os rumos do
país. Caso contrário, as transformações serão conduzidas e
beneficiarão apenas o capital.

Essa é a análise de
conjuntura do economista Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), feita em palestra que proferiu nesta quinta-feira (2),
durante reunião da Direção Nacional da Contraf-CUT, realizada no
auditório da entidade, em São Paulo.

“Vivemos momento
absolutamente favorável” –
“Estamos vivendo um momento
inesperado, absolutamente favorável, que não era para estar
acontecendo”, brincou o economista ao fazer uma comparação
entre o Brasil da década de 1990 e o do início do século 21.
“Naquela época, quando o capital comemorava a vitória
derradeira do neoliberalismo, nosso time jogava inteiro na retranca.
Os trabalhadores vinham num processo de perdas e resistiam para não
serem aniquilados. O desemprego chegou a 22% em São Paulo, 30% em
Salvador, o salário mínimo equivalia a 50 dólares. Chegamos a
fazer campanha para elevar o mínimo a 100 dólares”, lembrou
Clemente. 

A ideia dominante era de que aumentar o
salário mínimo levaria à explosão da inflação, do desemprego e
da informalidade. “Essa crença dos neoliberais dominou o
ambiente econômico e político do país por 15 anos.”

Na
década de 90, ironizou o economista do Dieese, “uma unha
encravada na Rússia infeccionava a perna toda do Brasil e lá vinha
o FMI emprestar dinheiro e dizer o que tínhamos de fazer. Exatamente
o que está fazendo agora com a Europa”.

“Estamos
reduzindo a desigualdade” –
Hoje, enquanto os EUA, a Europa e o
Japão são duramente atingidos pela crise econômica, que já
completa quatro anos e meio, em que os trabalhadores perdem direitos
e a desigualdade aumenta, o Brasil vive um momento oposto.

“Mudamos
o jogo. Estamos reduzindo a desigualdade a uma grande velocidade.
Fizemos em cinco anos agora o que no passado demorava duas décadas.
O país criou quase dois milhões de emprego em 2011. O salário
mínimo hoje é de 300 dólares. E essa inclusão está se dando pelo
trabalho, o que era impensável há pouco tempo atrás”,
declarou Clemente.

Para o diretor-técnico
do Dieese, esse “processo de transformação intensa, que dá ao
Brasil uma situação privilegiada”, se deve à conjunção de
três fatores:

1. Uma situação demográfica favorável,
formada por uma população com grande maioria de jovens com
capacidade produtiva.

2. As mudanças na estratégia do
governo federal, que recolocou o desenvolvimentismo na agenda
econômica e política do país.

3. Um desenvolvimento
orientado pela ação do Estado. “Recuperamos a ideia de que o
Estado tem papel relevante a desempenhar. Esse debate já estava
perdido para os neoliberais e hoje até o Fukuyama reconhece esse
fato”, lembrou Clemente.

“Se caminharmos mais 20
anos assim, teremos uma extraordinária possibilidade de fazer uma
grande transformação econômica, social e política no Brasil,
dentro da democracia, equivalente ao que a Europa fez com o Estado de
bem-estar social”, acredita o economista do Dieese.

“Estamos
preparados para conduzir essas transformações?” –
Ele
considera que é única a oportunidade que o país reúne atualmente
para se desenvolver com inclusão social e distribuição de renda.
Dentro de duas décadas, na avaliação do economista, o Brasil
perderá a força demográfica favorável, com o progressivo
envelhecimento da população. E as outras transformações
dependerão da capacidade de intervenção dos movimentos sociais,
particularmente do movimento sindical.

“Mas os movimentos
sociais estão preparados e têm estratégia para intervir nessas
transformações?”, questionou Clemente. Ele demonstrou
ceticismo sobre a capacidade de o movimento sindical cumprir esse
papel imprescindível, sobretudo se não mudar sua visão e atuação
estreitamente corporativa.

“A classe trabalhadora é mais
que a soma das categorias” –
“A mudança em curso exige que
pensemos como classe trabalhadora. Mas classe trabalhadora não é a
soma das categorias profissionais. É muito mais que isso. É o
momento de a classe trabalhadora conduzir esse processo de
transformação. Mas para isso ela precisa sair da defesa e
desenvolver uma estratégia de transformação, com propostas
concretas para as mudanças em andamento”, provocou o
diretor-técnico do Dieese.

Na sua opinião, isso significa
disputar com propostas que contemplem a visão e os interesses dos
trabalhadores todos os debates relevantes que definirão o Brasil do
futuro, das questões trabalhistas ao modelo de desenvolvimento,
passando pela educação, saúde, meio ambiente, reforma tributária,
reforma política, regulamentação do sistema financeiro etc.

“Essa
disputa que temos hoje, com tantas variáveis a nosso favor, não
tínhamos há dez anos. Mas precisamos de dirigentes capazes de
conduzir esse processo de transformações. Esse é o nosso desafio”,
alertou Clemente.

“Mudança na democracia exige acordos
sociais” –
Para ele, “o movimento sindical precisa sair da
retranca, onde muitos ainda se encontram, e mudar a estratégia para
avançar. A mudança na democracia exige pactuação de acordos
sociais. O conflito entre capital e trabalho não vai acabar, mas
podemos colocá-lo num outro patamar”, apontou.

“O
ambiente é favorável, não podemos perder essa oportunidade inédita
e precisamos colocar valores como cooperação, igualdade e
solidariedade para estruturar as transformações sociais”,
concluiu o diretor-técnico do Dieese.

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