Rebelião,
quebra-quebra e saques nos arredores de Londres certamente não tem
nada de organizados, mas são alguns dos primeiros sintomas a emergir
da austeridade, da crise e do desemprego que assola a Grã-Bretanha.
Uma semana antes dos eventos que entram para a história de Londres
como as piores rebeliões em quase três décadas, um jovem negro da
comunidade de Tottenham alertava, em um vídeo produzido pelo The
Guardian, para a grande panela de pressão que tinham se tornado,
principalmente, as ruas dos subúrbios londrinos. A reportagem é de
Wilson Sobrinho, direto de Londres.
Se alguém pudesse argumentar motivações de
justiça social por trás do protesto que deu origem à rebelião em
Tottenham, no norte de Londres, no início da noite de sábado, menos
de 24 horas depois essas razões já tinham sido vaporizadas quando
os bairros de Enfield, Walthamstow, Islington e Brixton vivenciaram
saques, quebra-quebra e violência gratuita (1). Porém, mesmo que
qualquer política estivesse longe dos objetivos dos jovens que
passaram a chuvosa noite de domingo em Londres quebrando vitrines de
lojas de calçados esportivos e artigos eletrônicos, os resultados
das decisões políticas ainda eram visíveis para qualquer um que
olhasse com mais atenção para a trilha de destruição.
Uma
semana antes dos eventos que entram para a história de Londres como
as piores rebeliões em quase três décadas, um jovem negro da
comunidade de Tottenham alertava, em um vídeo produzido pelo The
Guardian, para a grande panela de pressão que haviam se tornado as
ruas da capital Britânica em seus bairros mais desfavorecidos
economicamente. “As ruas de Londres são duras, existem muitas
gangues e crimes. E quando os clubes juvenis se foram eles acabaram
cortando as raízes e as conexões dos jovens. Eles ficaram sem ter
para onde ir… E é por isso que tem mais crime nas ruas: não há
nada para se fazer.” Ele termina em tom de alerta: “Vai ter
rebelião”. (2)
Os clubes juvenis a que ele se refere são
centros comunitários onde jovens ingleses podem aprender profissões,
praticar esportes, compor e gravar música e, acima de tudo, ficar
longe das ruas e da influência das gangues, um problema particular
em áreas mais carentes e afastadas do centro da mais rica capital
europeia.
“Se você cortar as atividades de Verão dos
jovens, tão certo como a noite segue o dia, você vai ver aumento na
criminalidade”, disse o professor John Pitts (3) ao The Guardian,
no dia 26 de julho, dias depois do começo das férias escolares de
verão.
“ Meu nervosismo é que esses membros de gangues que
estavam na escola irão para as ruas. Junte isso a cortes nos
serviços que eles usam e menos assistentes sociais que podem mediar
a situação, e essas ruas estarão muito mais perigosas e eu imagino
que o nível de crime e violência irá aumentar”, disse em tom
quase premonitório.
De acordo com o jornal, ainda que as
médias dos cortes orçamentários apresentados no plano de
austeridade do governo conservador tenha ficado em 28%, algumas das
autoridades locais estão cortando de 70 a 80% do orçamento de
programas sociais destinados a jovens. Um bom exemplo disso é a
sub-prefeitura de Haringey, onde fica o bairro de Tottenham, cujo
orçamento desses serviços foi dizimado por um corte de 75% e oito
de um total de treze desses centros foram fechados nos últimos
meses.
“Em um nível mais simples”, diz Pitts, “isso
significa um aumento no vandalismo e no comportamento antisocial. Em
longo prazo, se você retirar a proteção do estado então haverá
um aumento da influência dos grupos para cobrir esse vácuo”.
E
foi exatamente o que se viu nas ruas londrinas – principalmente na
noite de domingo. Gangues juvenis aproveitando o clima de caos, e a
certeza de que a polícia não poderia conter tantos ataques
simultâneos, para praticar crimes. Não há nada de político ou
organizado nisso – tão somente caos e anarquia patrocinados por
adolescentes sem perspectivas de futuro.
O início do processo
porém difere em gênero. Uma centena de pessoas se reuniu em frente
à delegacia de Tottenham para exigir da polícia respostas pela ação
que culminou na morte de Mark Duggan, na quinta-feira anterior.
Duggan, de 29 anos, foi baleado e morto pela polícia em
circunstâncias não-esclarecidas em um táxi próximo à estação
de trem de Tottenham. Uma comissão policial investiga o caso.
“Eu
disse ao inspetor chefe que queríamos sair antes da noite cair. Se
ele nos deixasse esperando depois do pôr do sol, seria sua
responsabilidade. Nós não poderíamos garantir que não sairia de
controle”, descreveu um membro da comunidade que estava na
manifestação inicial (4).
“Se um membro da polícia
tivesse vindo falar com a gente, nós teríamos ido embora. Nós
chegamos às 17h e tínhamos planejado uma hora de protesto
silencioso. Ficamos lá até as 21h. A polícia foi culpada. Se eles
tivessem dado uma resposta quando chegamos à delegacia, pedindo que
um oficial chefe viesse falar com a família [da vítima] teríamos
ido embora antes da rebelião se iniciar”.
A família de
Duggan condenou a violência que se seguiu ao pôr do sol em
Tottenham. “Queríamos respostas. Eu nem disse aos meus filhos que
ele está morto pois eu não posso dar respostas a eles”, disse a
noiva de Duggan. “Não estou feliz com o que aconteceu. Não
queríamos esses problemas. Queríamos respostas”, afirmou ela ao
The Guardian.